Rāmanavamī: tudo que você precisa saber sobre a celebração do aniversário de Rāma na tradição védica.

Jonas Masetti
9 min readApr 21, 2021

Em algum momento do estudo de Vedanta você já deve ter visto imagens de grandes festivais indianos e ficou imaginando o que significa toda aquela exuberância, com tantas cores, sons, deidades e principalmente, com tantas pessoas.

A partir de hoje você poderá sanar todas suas dúvidas e curiosidades, pois em 2021 faremos uma série especial de conteúdos dedicados a cada uma dessas celebrações, iniciando com o Rāmanavamī de 2021 e finalizando com o Maha Shivaratri de 2022.

Faremos uma exposição sobre cada uma dessas datas e suas simbologias, a representação das deidades relacionadas, além de rituais e disciplinas para que você possa se conectar com a energia desses momentos auspiciosos.

Para cada conteúdo entrevistaremos diferentes professores da tradição védica, começando com Bri Nandana Chaitanya, que foi colega do professor Jonas Masetti no curso de 3 anos e meio no ashram de Swami Dayananda.

Logo ao iniciarmos nossa conversa, a professora Nandana ji já nos inspira com a explicação sobre a razão da celebração de tantos festivais na tradição hindu. Ela nos conta que todas essas datas celebram a vitória do bem sobre o mal, da luz sobre a sombra, e especialmente no Rāmanavamī, do dharma sobre o adharma.

Ela ainda complementa que quando você estuda Vedanta, nem sempre se aprende a fazer os rituais, e para quem é Indiano realmente não é necessário, pois eles já aprendem desde pequenos, por verem seus pais fazendo. O que é curioso é que às vezes nem os pais sabem realmente porque e como fazem esses rituais, eles apenas repetem o que os pais deles também faziam. É interessante buscar saber o real significado de cada ritual e celebração, para que se coloque a atitude correta nessas datas. Então é sobre isso que falaremos nesta série de textos, o que significam as celebrações e como participar dessa tradição, mesmo da sua casa.

A história Rāma na tradição védica

A palavra “Rāma” literalmente significa alguém que é divinamente feliz e que proporciona alegria aos outros, e também, aquele em quem os sábios buscam contentamento.

Ele representa a personificação da compaixão, da gentileza, da bondade, da retidão e da integridade. Mesmo tendo todo o poder do universo, ele sempre se mantém pacífico e gentil.

Da forma que ele vive, ele representa o pai, filho e marido ideal. Ele é o ideal para todas as pessoas, sobre como viver.

Diz-se na mitologia hindu que Vishnu é quem teve 10 avatares, e Sri Rāma foi o sétimo avatar encarnado dessa deidade. Então, quando ele nasce na terra, é comemorado o Rāmanavamī.

Rāma é um dos principais nomes na mitologia hindu. O príncipe Rāma, é considerado a própria encarnação do dharma. A sua grandiosa história nos conta como ele, para fazer valer uma promessa feita por seu pai, renunciou ao trono, exilou-se na floresta e perdeu sua esposa Sītā, sequestrada pelo demônio Rāvaṇa, para depois resgatá-la matando o terrível demônio em batalha.

Todos somos Rāma no exílio, saudosos de Sītā, a alegria manifesta em uma mente que está em paz. Ela foi sequestrada por Rāvaṇa, um demônio de dez cabeças, simbolizando as inúmeras facetas de um ego que, no seu plano de querer ser especial e “sequestrar” uma felicidade narcisista, acaba encobrindo aquilo mesmo que procurava.

Do coração de Rāma fluía amor, generosidade, humildade e o compromisso com o dever, enquanto o coração de Rāvaṇa era preenchido com avareza, ódio e egoísmo.

Mesmo sendo um Deus encarnado, Rāma precisou da ajuda dos vānaras, uma tribo de macacos liderados pelo grande Hanumān, para encontrar a amada. Que espécie de delírio nos faz pensar que sozinhos teremos alguma chance?

O final da história, segundo Vālmīki, o antigo poeta que a relatou, é que o demônio é destruído por Rāma, o qual volta ao reino com Sītā para ser coroado.

Essa história é um dos épicos da tradição védica, conhecida como Rāmāyaṇa, a viagem de Rāma, da qual se pegam frações como textos auxiliares para o estudo de Vedanta.

Rāma é aquele que nos relembra a cumprir o nosso próprio papel no mundo e nas situações do dia a dia acima de tudo, e quando perdemos o foco desse papel numa busca externa sem fim, pela realização e pela felicidade, é quando perdemos nossa força.

Ele nos faz questionar sempre: onde perdemos a nossa mente e o que precisamos fazer para resgatá-la?

Através de suas nobres escolhas, ele ensina ao mundo a escolher o dharma ao invés de artha (quando vai viver na floresta ao invés de ser coroado) e escolher moksha no lugar de kama (quando escolhe o reino sobre seu casamento).

Existem muitos mestres ou pessoas que admiramos com muitas realizações e conquistas, porém todas as grandes realizações são o resultado de pequenos passos, de um dia vivido de cada vez, fazendo o que precisa e pode ser feito naquele momento. A maior responsabilidade que a gente tem é sempre com nosso próximo passo.

A celebração de Rāmanavamī

O Rāmanavamī é um dos cinco maiores festivais sagrados celebrados no hinduísmo e marca o aniversário de Rāma.

Todos os festivais seguem o calendário lunar e as fases da lua, então o navami é o nono dia de noite brilhante. Comemora-se sempre no mês de Chaitra, o primeiro do calendário lunar Hindu. Neste ano de 2021, o festival acontece na quarta-feira, 21 de abril. Essas datas variam todos os anos, mas sempre coincidem a datas nos meses de março e abril do calendário gregoriano.

Alguns lugares específicos relacionados à história Sri Rāma, como Ayodhya em Uttar Pradesh e Rameshwaram em Tamil Nadu, costumam atrair centenas de devotos para as festividades.

No norte, também é celebrado por 9 dias o Vasant Navratri ou Chaitra Navratri, em que o último dia culmina no Rāmanavamī. O que nos explicou a professora Nandana ji como muito simbólico, porque a história do Navratri conta que as Deusas lutavam contra os demônios do mal, e Rāma nasce justamente no dia da vitória da luz sobre a escuridão.

Rituais, disciplinas e tradições de celebração do Rāmanavamī

A tradição védica, assim como o hinduísmo, contempla rituais, orações, mantras e outras tradições na celebração de datas importantes e consideradas sagradas.

Abaixo você encontra algumas das principais tradições do Rāmanavamī, podendo inclusive fazer algumas delas em sua casa:

  • A recitação contínua do Rāmāyaṇa durante o mês de Chaitra, antes da data do festival;
  • Na data específica alguns destaques da história são lidos nos templos;
  • É feita uma limpeza completa nas casas;
  • Famílias decoram seus altares com pequenas estátuas de Rāma;
  • Se oferecem flores e frutas no altar e orações são recitadas após um banho logo cedo;
  • Seguidores do hinduísmo fazem jejum desde de manhã até a manhã seguinte ou restringem sua alimentação à uma dieta específica;
  • Nos templos, imagens de Rāma são banhadas e vestidas para marcar sua encarnação na Terra;
  • Algumas regiões encenam a cerimônia de casamento de Rāma e Sītā, que é celebrado no mesmo dia;
  • Acontecem procissões de adoração à Rāma;
  • Adoradores de todo mundo recitam versos do Rāmāyaṇa e cantam canções em seu nome;
  • Como Rāma vem da dinastia do sol, o sol é muito importante no Rāmanavamī, então muitos devotos reverenciam o sol, como a primeira coisa do dia;
  • Em Ayodhya, onde Rāma nasceu, há o rio Sarayu, onde as pessoas tomam um banho ritualístico, assim como no Ganges, porque toda celebração é uma oportunidade para se purificar dos papas, e o banho simboliza isso.
  • No sul da Índia, próximo ao templo Rameshwaram, onde Rāma rezou antes de atravessar o mar para a batalha contra Rāvaṇa, as pessoas também se banham ritualisticamente, porém no mar.

O jejum pode ser feito apenas no dia específico, porém alguns devotos de Rama jejuam por 9 dias consecutivos. Em todas essas datas do calendário hindu, é bem comum a prática do jejum, sendo que o tamanho e a grandeza da ascese depende do quanto a pessoa é devota de determinada deidade.

Outra curiosidade que a professora Nandana ji compartilhou conosco foi que a leitura do Rāmāyaṇa difere no sul e no norte da Índia. No sul, a leitura é do Rāmāyaṇa de Vālmīki, que é o texto original, já no norte, o texto mais popular é Shri Ram Charit Manas, em hindi.

Uma das tradições que Bri Nandana Chaitanya compartilha com seus alunos do Arsha Dipa, é o Akhand Ramayan Paath, em que akhand significa sem interrupção até que termine. Isto significa que é feito o canto do texto completo do Rāmāyaṇa sem parar, o que leva normalmente de 28 a 30 horas consecutivas.

Como nem sempre é possível recitar todo o Rāmāyaṇa, outra opção é cantar apenas uma parte chamada Sundara Kanda, um trecho muito especial da história, que conta principalmente sobre a jornada de Hanumān para Lanka, onde ele finalmente encontra Sītā. Recitar esses versos traz muita força e energia. Hanumān tem sua própria data a ser celebrada nos próximos dias, porém, por ser muito devoto de Rāma, ele também tem sua importância no Rāmanavamī.

Dhanam é outra prática muito importante na cultura hindu, e significa caridade. Então, em toda celebração é importante fazer alguma caridade. A dhanam mais popular na Índia é annadana, que está relacionada ao oferecimento de alimento. Em qualquer lugar que você vá, será alimentado, especialmente nos templos. A comida é primeiro oferecida no altar, e depois ela se torna prasada e é distribuída aos devotos e a todos que comparecerem.

Por último, mas não menos importante, a música também é algo de muita representatividade na cultura hindu. Diz-se que o simples canto do nome de Rāma através do taraka mantra ajuda a cruzar o mar do samsara, por isso muitas pessoas fazem japa apenas com o nome de Rāma, outros cantam o dia todo, ou ainda realizam kirtans para Rāma.

Música, orações, boa comida e o encontro com familiares e amigos preenchem as celebrações da tradição védica.

Mantra para Rāma

Diz-se que o nome de Rāma tem um impacto tão forte na mente de uma pessoa que ele é equivalente aos mil nomes de Vishnu ou de qualquer outra deidade, porque basta só o nome dele para trazer toda paz que a gente precisa.

Swami Dayananda falava que o nome de Rāma era como um um horizonte, de pleno equilíbrio, e que ao recitá-lo nos traz paz e equanimidade para a mente.

Justamente por essas razões, que nesse dia, mentalizar ou cantar mantras para Rāma também é uma boa disciplina a ser feita. Para aprofundar neste tema, confira o vídeo onde o professor Victor Mattos explica em detalhes o significado do mantra.

राम राम रामेति रमे रामे मनोरमे ।

सहस्रनाम तत्तुल्यं रामनाम वरानने ॥

rāma rāma rāmeti rame rāme manorame ।

sahasranāma tattulyaṃ rāmanāma varānane ॥

Panakam, o chá de Rāma

Para cada celebração, existe um alimento específico relacionado à deidade que é feito no dia como homenagem, então não podíamos deixar de trazer algo relacionado a isso para celebrarmos essa data em nossas casas.

No Rāmanavamī, o alimento é uma bebida tradicional, que dizem ser o chá gelado que Rāma costumava beber enquanto estava na floresta, por ser uma bebida bem refrescante. Se chama Panakam e costuma ser bem popular principalmente no sul da Índia.

A prática aqui é chamada em sânscrito de naivedyam, como fazemos na puja ao oferecer o alimento, ou seja, a bebida é preparada, oferecida para deidade, e depois pode ser consumida.

Bri Nandana Chaitanya compartilhou conosco uma receita para simples de como preparar essa bebida para Rāma e para compartilhar com nossos familiares.

Ingredientes:

  • ½ xícara de rapadura picada
  • 2 xícaras de água
  • ¼ de colher de chá gengibre em pó
  • ⅛ de colher de chá de pimenta preta em pó
  • ⅓ a ½ colher de chá de cardamomo em pó
  • 2 colheres de sopa de suco de limão
  • 1 pitada de sal
  • 1 pitada de cânfora comestível — opcional
  • Folhas de tulsi ou manjericão — opcional
  • Alguns cubos de gelo — opcional

Como fazer:

  1. Numa tigela, coloque meia xícara de rapadura picada e 2 xícaras de água. Pode colocar mais água se for preciso.
  2. Misture bem e deixe a rapadura de molho na água por 30 a 40 minutos, até estar completamente dissolvida. Se tiver impurezas na calda de rapadura, coe.
  3. Adicione duas colheres de sopa de suco de limão.
  4. Em seguida adicione o gengibre, o cardamomo, a pimenta preta e uma pitada de sal.
  5. Você pode adicionar uma pitada de cânfora comestível se for oferecer a panakam para as deidades. Essa etapa é opcional.
  6. Misture bem.
  7. Adicione folhas de tulsi ou manjericão e ofereça para as deidades. Se for servir para sua família e amigos, você pode resfriar na geladeira ou colocar um pouco de gelo na panakam.

Todo festival é motivo para as pessoas se reunirem, pois comunidade e família são muito importantes na cultura hindu, assim como são para nós aqui no Brasil também. Então são muitos motivos e datas onde as pessoas se encontram e passam um tempo juntas, celebram e se alimentam juntas.

Na Índia essa data também coincide com o início da primavera e em muitos estados o Ano Novo é celebrado nessa mesma época. Então esse é considerado um momento de renascimento, renovação, de deixar problemas, dificuldades e o passado para trás.

Como Rāma simboliza a ordem do universo, do dharma, então é um bom momento para seguir em frente com a vida, e também para iniciar novas disciplinas.

Que nessa data você possa se conectar à energia de Rāma e receber suas bênçãos, lembrando sempre que um dos principais motivos dessa celebração, é a vitória do dharma sobre o adharma.

Harih Om

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Jonas Masetti
Jonas Masetti

Written by Jonas Masetti

Professor Tradicional de Vedanta, formado pelo Swami Dayananda em internato de 3 anos na Índia. “O estudo tradicional invariavelmente mudará a sua vida.”

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